segunda-feira, 17 de agosto de 2009

FICHAMENTO

JESUS, Damásio E. Teoria do domínio do fato no concurso de pessoas. São Paulo: Saraiva, 1999.



“Conceituamos crime, sob o aspecto formal, como fato típico e antijurídico. O fato típico compõe-se de conduta dolosa ou culposa, nexo de causalidade e tipicidade. Assim, na hipótese de o sujeito, agindo dolosamente, desfechar tiros de revólver na vítima, matando-a, encontraremos a conduta dolosa (disparo), o resultado (morte), a relação causal entre a ação e o evento e a tipicidade (art. 121, caput, do CP)”.

“Com o advento do Direito Penal da Culpabilidade, torna-se desnecessária a verificação da relação entre a conduta e o resultado...”

“Não é nova a idéia de excluir-se o nexo causal material dos códigos penais”.

“...Heleno Cláudio Fragoso, Relator da Comissão brasileira, anotou que ‘a matéria da causalidade provoca gravíssimas discrepâncias doutrinárias e jurisprudenciais, conduzindo a situações de grande confusão na aplicação da lei penal’”.

“No dizer de Bustos Ramirez, no estágio atual da teoria do delito, ‘o dogma da causalidade não serve para nada e fica reduzido a um puro dogma, vazio completamente de conteúdo’”.

“... o tema do nexo causal, relevante para a teoria naturalística da ação, à medida que esta foi perdendo terreno na doutrina, diminuiu de importância, substituído pelo princípio de que não há pena sem culpabilidade”.

“... acatado na Reforma Penal de 1984 o princípio da culpabilidade e, por isso, extinto todo resquício de responsabilidade penal objetiva, como se depreende do art. 19 do Código Penal, segundo o qual o resultado só pode ser imputado a título de dolo ou culpa...”

“O Código Penal de 1969, porém, de acordo com o que informou a Exposição de Motivos, decidiu ‘manter, com pequenas correções, o que se refere à relação de causalidade, considerando que se trata de regra que jamais trouxe qualquer dificuldade na aplicação da lei penal, sendo de fácil compreensão pelos Juízes. Suprimir esse dispositivo seria ensejar a reabertura de largo debate que ainda hoje divide a doutrina, entre as teorias fundamentais sobre o nexo causal, o que haveria de conduzir a incertezas e dificuldades na aplicação da lei’”.

“O delito, entretanto, às vezes resulta da conduta de mais de uma pessoa, sendo que algumas têm participação meramente acessória na realização do fato, não podendo por isso ser denominadas autoras, recebendo o nome de partícipes”.

“No Brasil, o concurso de pessoas, seja co-autoria, seja participação, sempre esteve sujeito ao requisito do nexo de causalidade.”

“Como dizia José Frederico Marques, ‘sem um comportamento relevante, sob o aspecto causal, não se pode falar em participação. Não há participação no crime, relevante para o Direito Penal, sem ato exterior que se inclua na cadeia causal’”.

“... Heleno Cláudio Fragoso sentenciava: ‘se falta contribuição causal inexiste participação’”.

“... Isso significa que a doutrina, no Brasil, orienta-se no sentido de que é aplicável às formas de concurso de pessoa o art. 13, caput, do CP...”

“A conduta do partícipe, de acordo com essa orientação, só é típica quando, sem ela, o delito não teria ocorrido”

“... de acordo com a teoria da eliminação hipotética da eventual conduta relevante, para ser apreciada como indispensável ou não a contribuição, devemos excluí-la da cadeia causal: se, eliminada, o assalto não se consumasse, seria causal, havendo responsabilidade pelo resultado; se, retirada, ainda assim houvesse roubo, não se mostraria causal, não se lhe podendo atribuir o evento.”

“Na verdade, o princípio do nexo causal só pode servir à consideração do fato cometido pelo autor material. Mas não se presta às outras formas do concurso de pessoas, que devem ser regidas pelo dogma da tipicidade. A participação não precisa ser causal. Tanto é que, entre nós, a contribuição de somenos importância conduz à redução da pena (art. 29, § 1º, do CP)”.

“Note-se que a participação apresenta natureza acessória: configura um comportamento que se agrega a uma conduta principal de autoria. Esta, sim, deve revestir-se do atributo do nexo de causalidade. Além disso, se a contribuição paralela necessitasse do requisito da causalidade entre a conduta e o resultado naturalístico, não poderia haver participação nos delitos de mera conduta e na omissão imprópria”.

“A participação está ligada à tipicidade e à conduta e não ao nexo de causalidade.”

“Assim, na participação existe ampliação espacial e pessoal do tipo, pois a descrição delitiva, com o concurso da regra do art. 29, não abrange somente o comportamento que se amolda imediatamente em seu núcleo, estendendo-se também às condutas que, de qualquer modo, concorrem para a realização do crime”.

“A lei, para efeito de responsabilidade penal, equipara a conduta do partícipe à do autor material. Dessa forma, a causalidade, na participação, apresenta natureza normativa e não objetiva. É a norma do art. 29, caput, que determina: responde pelo crime não só o executor físico, que produz o resultado, mas também o partícipe, que acede sua conduta à ação principal”.

“A teoria extensiva de autor, com seu complemento subjetivo de participação, foi refutada pela doutrina, uma vez que permitiria, segundo a vontade do sujeito, ser considerado autor quando, não tendo realizado a conduta típica, quisesse o fato como próprio, e partícipe se, efetivando o comportamento do núcleo do tipo, desejasse o crime como alheio”.

“Nosso Código Penal adotou a teoria restritiva, já que os arts. 29 e 62 fazem distinção entre autor e partícipe”.

“Quem executa o crime é autor; quem induz, instiga ou auxilia considera-se partícipe. Isso, entretanto, não resolve certos problemas, como o da autoria mediata, em que o sujeito se vale de outrem para cometer o delito. Daí a necessidade de a doutrina socorrer-se da teoria do domínio do fato, que, aliada à restritiva, dá adequação apropriada aos casos concretos”.

“Welzel, em 1939, ao mesmo tempo em que criou o finalismo, introduziu no concurso de pessoas a ‘teoria do domínio do fato’, partindo da tese restritiva e empregando um critério objetivo-subjetivo: autor é quem tem o controle final do fato, domina finalisticamente o decurso do crime e decide sobre sua prática, interrupção e circunstâncias ...”

“... nossa posição adere à teoria do domínio do fato, que é uma tese que complementa a doutrina restritiva formal-objetiva, aplicando critério misto (objetivo-subjetivo). De notar, pois, que a teoria do domínio do fato não exclui a restritiva. É um complemento. Unem-se para dar solução adequada às questões que se apresentam envolvendo autores materiais e intelectuais, chefes de quadrilhas, sentinelas, aprendizes, motoristas, auxiliadores, indutores, incentivadores etc.”

“Na teoria do domínio do fato, a autoria abrange: 1°) autoria propriamente dita (autoria direta individual e imediata); 2°) autoria intelectual; 3°) autoria mediata; e 4°) co-autoria (reunião de autorias)”.

“Na autoria propriamente dita, o autor ou executor realiza materialmente a conduta típica, age sozinho, não havendo indutor, instigador ou auxiliador. Ele tem o domínio da conduta”.

“Na autoria intelectual o sujeito planeja a ação delituosa, constituindo o crime produto de sua criatividade”.

“O Código Penal agrava a pena do autor intelectual, referindo-se ao sujeito que ‘promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes’(art. 62, II).”

“Na autoria mediata, uma pessoa, o ‘sujeito de trás’, serve-se de outrem para praticar o fato, podendo a ele ser atribuída a propriedade do crime. Ele possui o domínio da vontade do executor, chamado de ‘instrumento’”.

“A autoria mediata inclui as seguintes hipóteses: ... no primeiro caso, o autor determina a um inimputável por menoridade ou doença mental a prática de um crime. No segundo, incidem sobre o instrumento coação moral irresistível ou ordem de superior hierárquico (art. 22 do CP). Na terceira hipótese, o autor mediato conduz o instrumento humano a incidir em erro de tipo invencível. Por fim, no erro de proibição o instrumento incide em erro sobre a ilicitude da conduta”.

“Na co-autoria (reunião de autorias), que constitui forma de autoria, o co-autor realiza o verbo típico ou concretiza parte da descrição do crime, ainda que, no último caso, não seja típica a conduta perante o verbo, desde que esteja abarcada pela vontade comum de conhecimento do fato”.

“Cad um dos integrantes possui o domínio da realização do fato conjuntamente com outro ou outros autores, com os quais tem plano comum de distribuição de atividades, e quer realizar como próprio o fato comum com a cooperação dos outros. Há divisão de tarefas, de maneira que o crime constitui conseqüência das condutas repartidas, produto final da vontade comum”.

“Na co-autoria direta todos os sujeitos realizam a conduta típica”.

Na co-autoria parcial ou funcional, “Há divisão de tarefas executórias do delito. Trata-se do chamado ‘domínio funcional do fato’, assim denominado porque alude à repartição de atividades (funções) entre os sujeitos”.

“Na co-autoria (parcial ou funcional), como ficou consignado, parte da doutrina exige que a contribuição seja causal, isto é, que a conduta de cada um dos autores seja de tal modo necessária que, sem ela, o crime não seria cometido”.

“Partícipe, na doutrina do domínio do fato, é quem efetiva um comportamento que não se ajusta ao verbo do tipo e não tem poder de decisão sobre a execução ou consumação do crime”.

“Distinguem-se autor, co-autor e partícipe. O autor detém o domínio do fato; o co-autor, o domínio funcional do fato, tendo influência sobre o ‘se’ e o ‘como’ do crime; o partícipe só possui o domínio da vontade da própria conduta, tratando-se de um ‘colaborador’, uma figura lateral, não tendo o domínio finalista do crime. O delito não lhe pertence: ele colabora no crime alheio”.

“Note-se que o art. 62, I, do Código Penal determina a gravação da pena daquele que ‘promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes’, referindo-se, obviamente, ao sujeito que possui o domínio do fato”.

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